Já faz alguns dias que muitos me perguntam: "Well, onde você vai
passar o Ano-Novo ?".
Eu me sinto na obrigação de dar a essa pergunta uma resposta bacana a quem me pergunta. Pega supermal eu mandar um "ainda não decidi" ou "em casa" (ou pior "vou trabalhar"). Vão pensar que sou um doente, ou um anormal, ou pior um alien.
Eles ia gostar se eu respondesse que ia passar o Natal com minha família, perto de uma árvore gigante cheia de luzes e presentes (eles não querem saber que eu não sou católico e nem acredito no Papai Noel).
Eu me sinto na obrigação de dar a essa pergunta uma resposta bacana a quem me pergunta. Pega supermal eu mandar um "ainda não decidi" ou "em casa" (ou pior "vou trabalhar"). Vão pensar que sou um doente, ou um anormal, ou pior um alien.
Eles ia gostar se eu respondesse que ia passar o Natal com minha família, perto de uma árvore gigante cheia de luzes e presentes (eles não querem saber que eu não sou católico e nem acredito no Papai Noel).
É uma obrigação moral comprar bugigangas em até 24 vezes para a
felicidade geral da nação. Obrigação moral, decorar a própria casa com luzes
feéricas. Obrigação moral contemplar a beleza clássica de árvores de Natal
gigantes como a do Ibirapuera. Obrigação moral aceitar na boa que muita gente
se desloca quilômetros apenas para fazer fotos em frente a cartões-postais do
Natal corporativo, como certa sede de banco na avenida Paulista. É uma
obrigação moral ser jeca e fazer como todo mundo faz, e, como todo mundo,
plastificar um sorriso na cara e acreditar com toda sua alma que você é feliz.
Obrigação moral, sabemos, não passa de uma convenção social de uma época.
Felicidade hoje é o destino último da humanidade, e quem não acreditar nisso talvez nem humano seja - é o que reza o senso comum de nossa época. Precisamos ser felizes. Não só: precisamos ser mais felizes que os outros. Precisamos ser felizes e divulgar nossa felicidade no Facebook. E o mês de dezembro é o apogeu desse período de felicidade obrigatória, que ainda vai se arrastar até o Carnaval. Todo ano veremos as mesmas matérias preguiçosas na mídia: a multidão se arrastando na rua 25 de Março. as retrospectivas do ano que passou, as perspectivas do ano que virá; as famílias que se reencontram nesse período; as árvores de Natal pelo mundo; a correria das compras de última hora; os terminais rodoviários e os aeroportos repletos de gente indo encontrar seus entes queridos... Zzzzzz.
Todo ano apesar dos pesares, conseguimos ultrapassar para o outro lado sãos e salvos (tirando nossos saldos bancários). o que se celebra nesses dezembros não é o futuro, e sim o retorno a um idílico e impossível passado, quando todos éramos irmãos e nos dávamos presentes uns aos outros sob a mesma árvore na mesma hora marcada. Um idílico passado que ambicionamos volte a iluminar nosso futuro. Quem quiser acreditar nisso não vou dar uma de desmancha-rodinha. Só não vá se estressar com todo o estresse ao redor.
Por falar em passado, futuro e estresse, o terceiro pode ser combatido quando se esquece o primeiro e o segundo. É o clássico fundamento do taoísmo: vivemos angustiados porque não nos desapegamos do passado e não paramos de pensar no futuro. Há uma excelente história taoísta que expressa exatamente esse ponto de desequilíbrio que todos vivemos. Não sou taoísta, mas, no momento do "respira fundo e conta até 10 antes de chutar a cabeça do primeiro Papai Noel que olhar pela frente" eu juro que tento me lembrar da historinha. Nem sempre consigo. Mas a história é boa:
Um dia, andando na selva, um homem encontrou um tigre feroz. Ele correu para salvar sua vida, perseguido pelo tigre. O homem chegou à beira de um precipício, e o tigre estava quase alcançando-o. Sem opção, ele se agarrou a uma parreira com suas duas mãos e desceu. No meio do precipício, olhou para cima e viu o tigre no topo, arreganhando os dentes. Ele olhou para baixo e viu outro tigre, rugindo e esperando sua chegada. E ficou preso entre os dois. Em seguida, apareceram dois ratos sobre o precipício, um branco e outro preto. Como se ele não tivesse preocupações suficientes, os ratos começaram a roer a parreira. Sabia que, se os ratos continuassem a roer, chegaria um ponto em que a parreira não poderia suportar seu peso, causando sua queda. Tentou espantar os ratos, mas eles voltavam e continuavam a roer. Neste momento, ele observou um morangueiro crescendo na parede do precipício, não muito longe dele. Os morangos pareciam grandes e maduros. Segurando-se na parreira com apenas uma das mãos, com a outra colheu um morango. Com um tigre acima, outro abaixo, e com os ratos continuando a roer a parreira, o homem comeu o morango e achou-o absolutamente delicioso.
É uma história sobre viver o momento: embora presa de uma situação desesperadora, o homem elegeu não deixar que os perigos o paralisassem. Segundo o Tao, o topo do precipício representa o passado. Subir em direção ao topo do precipício seria revisitá-lo. O tigre no topo é o perigo de insistir no passado. A base do precipício é o futuro. Descer pela parreira para mais perto da base do precipício é especular sobre o futuro. O tigre na base é o perigo de ficar excessivamente preocupado com o que está por vir. Não temos como conduzir todo esse nervosismo para uma ação efetiva; ele se expressa como tensão e stress. Descemos na parreira, ficamos perto do tigre, permitimos que nos morda. O tigre na base simboliza a morte - que espera pacientemente por todos nós no futuro.
A posição do homem entre os dois tigres é o presente. O que chamamos de "agora" pode ser um conceito bastante difícil de precisar - ainda mais se você estiver na fila de uma loja de brinquedos, procurando vaga no estacionamento ou comprando um pão racionado na fila da padaria em algum bacanudo balneário. Assim que apontamos para um instante e o definimos como "agora", ele passa e não é mais o presente. O presente, como o Tao, desafia uma definição. A parreira é a vida no mundo material. Da mesma forma que o homem segura a parreira com as duas mãos, apegamo-nos teimosamente à vida física. Os dois ratos são a passagem do tempo: branco e preto para simbolizar o dia e a noite. Os ratos roem a parreira, fazendo com que fique cada vez mais fraca - como cada ciclo de dia e noite nos aproxima da morte. Por fim, o morango representa a beleza inesperada, a bem-aventurança, a energia e a vitalidade do aqui-agora, sempre disponível aos que têm a habilidade de vê-la e fruí-la. Colher o morango é aproveitar o momento.
Obrigação moral, sabemos, não passa de uma convenção social de uma época.
Felicidade hoje é o destino último da humanidade, e quem não acreditar nisso talvez nem humano seja - é o que reza o senso comum de nossa época. Precisamos ser felizes. Não só: precisamos ser mais felizes que os outros. Precisamos ser felizes e divulgar nossa felicidade no Facebook. E o mês de dezembro é o apogeu desse período de felicidade obrigatória, que ainda vai se arrastar até o Carnaval. Todo ano veremos as mesmas matérias preguiçosas na mídia: a multidão se arrastando na rua 25 de Março. as retrospectivas do ano que passou, as perspectivas do ano que virá; as famílias que se reencontram nesse período; as árvores de Natal pelo mundo; a correria das compras de última hora; os terminais rodoviários e os aeroportos repletos de gente indo encontrar seus entes queridos... Zzzzzz.
Todo ano apesar dos pesares, conseguimos ultrapassar para o outro lado sãos e salvos (tirando nossos saldos bancários). o que se celebra nesses dezembros não é o futuro, e sim o retorno a um idílico e impossível passado, quando todos éramos irmãos e nos dávamos presentes uns aos outros sob a mesma árvore na mesma hora marcada. Um idílico passado que ambicionamos volte a iluminar nosso futuro. Quem quiser acreditar nisso não vou dar uma de desmancha-rodinha. Só não vá se estressar com todo o estresse ao redor.
Por falar em passado, futuro e estresse, o terceiro pode ser combatido quando se esquece o primeiro e o segundo. É o clássico fundamento do taoísmo: vivemos angustiados porque não nos desapegamos do passado e não paramos de pensar no futuro. Há uma excelente história taoísta que expressa exatamente esse ponto de desequilíbrio que todos vivemos. Não sou taoísta, mas, no momento do "respira fundo e conta até 10 antes de chutar a cabeça do primeiro Papai Noel que olhar pela frente" eu juro que tento me lembrar da historinha. Nem sempre consigo. Mas a história é boa:
Um dia, andando na selva, um homem encontrou um tigre feroz. Ele correu para salvar sua vida, perseguido pelo tigre. O homem chegou à beira de um precipício, e o tigre estava quase alcançando-o. Sem opção, ele se agarrou a uma parreira com suas duas mãos e desceu. No meio do precipício, olhou para cima e viu o tigre no topo, arreganhando os dentes. Ele olhou para baixo e viu outro tigre, rugindo e esperando sua chegada. E ficou preso entre os dois. Em seguida, apareceram dois ratos sobre o precipício, um branco e outro preto. Como se ele não tivesse preocupações suficientes, os ratos começaram a roer a parreira. Sabia que, se os ratos continuassem a roer, chegaria um ponto em que a parreira não poderia suportar seu peso, causando sua queda. Tentou espantar os ratos, mas eles voltavam e continuavam a roer. Neste momento, ele observou um morangueiro crescendo na parede do precipício, não muito longe dele. Os morangos pareciam grandes e maduros. Segurando-se na parreira com apenas uma das mãos, com a outra colheu um morango. Com um tigre acima, outro abaixo, e com os ratos continuando a roer a parreira, o homem comeu o morango e achou-o absolutamente delicioso.
É uma história sobre viver o momento: embora presa de uma situação desesperadora, o homem elegeu não deixar que os perigos o paralisassem. Segundo o Tao, o topo do precipício representa o passado. Subir em direção ao topo do precipício seria revisitá-lo. O tigre no topo é o perigo de insistir no passado. A base do precipício é o futuro. Descer pela parreira para mais perto da base do precipício é especular sobre o futuro. O tigre na base é o perigo de ficar excessivamente preocupado com o que está por vir. Não temos como conduzir todo esse nervosismo para uma ação efetiva; ele se expressa como tensão e stress. Descemos na parreira, ficamos perto do tigre, permitimos que nos morda. O tigre na base simboliza a morte - que espera pacientemente por todos nós no futuro.
A posição do homem entre os dois tigres é o presente. O que chamamos de "agora" pode ser um conceito bastante difícil de precisar - ainda mais se você estiver na fila de uma loja de brinquedos, procurando vaga no estacionamento ou comprando um pão racionado na fila da padaria em algum bacanudo balneário. Assim que apontamos para um instante e o definimos como "agora", ele passa e não é mais o presente. O presente, como o Tao, desafia uma definição. A parreira é a vida no mundo material. Da mesma forma que o homem segura a parreira com as duas mãos, apegamo-nos teimosamente à vida física. Os dois ratos são a passagem do tempo: branco e preto para simbolizar o dia e a noite. Os ratos roem a parreira, fazendo com que fique cada vez mais fraca - como cada ciclo de dia e noite nos aproxima da morte. Por fim, o morango representa a beleza inesperada, a bem-aventurança, a energia e a vitalidade do aqui-agora, sempre disponível aos que têm a habilidade de vê-la e fruí-la. Colher o morango é aproveitar o momento.
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